Terça-feira, 21 de Fevereiro de 2006

O Barbeiro...



  Fui hoje visitar-te. Já há muito que não ia até à tua barbearia. Estavas sentado, com a porta entreaberta pois o dia estava frio. Olhei para ti. Olhei para os teus cabelos brancos e já com os óculos bastante graduados. Há quanto tempo és tu que me cortas o cabelo?!... Ainda os meus rapazes eram umas crianças e já se sentavam na tábua de madeira para tu melhor poderes lhes cortar a trunfa. Agora, já homens feitos, não vão até ti. Outras mãos, que não as tuas, lhes aparam os gostos e os feitios que a moda dita.

 Eu parecia um Beatle. Um Beatle com as suas falhas mas o raio do cabelo aquecia-me as "zorelhas" e, como o tempo está frio era sempre prá amanhã!...

 Lembrei-me, quando menino e moço, ia a um casamento e logo nesse dia o “cota” mandou-me cortar o cabelo. Ora que chatice, logo nessa altura que ia fazer uma “banga” junto às miúdas é que ia cortar o meu cabelito. Ainda hoje sorrio quando me lembro de ter dito ao barbeiro: «Corte o cabelo mas de forma que só eu e você é que saibamos que ele foi cortado». Saí dali com o cabelo aparadinho mas compridinho e aí é que a porca torceu o rabo, como só eu e o barbeiro é que sabíamos que o cabelo tinha sido "cortado" foi o bom e o bonito com o “cota” pois ele não estava dentro do nosso plano e, se não fosse o facto de estar perto a hora do casório, lá teria que voltar de novo para a tosquia,... fui “salvo” pelo gongo.

 Lembrei-me depois daquela vez que fui a um cabeleireiro com todos os requintes, e umas mãos de mulher se colocaram sobre a minha cabeça. Quando me começou a falar de que diziam que as mulheres não sabiam fazer o corte do cabelo dos homens comecei a assustar-me. Já não olhava para o espelho e depois de paga a conta, antes de sair, olhei para todo o lado para ver se vinha alguém. É que o corte parecia mesmo do tipo Castelo Branco, só me faltava a malinha «Paco “Rabone”», comprada na feira de Carcavelos, a tiracolo, para parecer o dito cujo,... safa!...

 Ouvia o barulho característico da tesoura a cortar o cabelo. Ele, ia caindo também já com cores branquinhas na toalha. Estou a ficar como tu. Falei-te da festa na tua terra, a «Festa da Ascensão» e tu já a trocavas pela da Assunção.

 Olhei para o espelho, vi-te concentrado no teu trabalho. Calei-me pois as recordações de uma vida não se falam, escutam-se no silêncio de um olhar. Pegaste no pequeno espelho e eu disse que sim que estava tudo bem, mesmo que estivesse mal eu diria que sim, que estava tudo bem, pois tu fazes parte de um tempo que voa e, quando saí, encostando a porta disse: «Até há próxima, barbeiro do meu bairro».


P.S. - Cota na gíria significa o pai, a mãe ou outro adulto. Em África é o mais velho, o mais sábio da aldeia, o que aconselha, o que resolve as disputas. Em Portugal usa-se o termo de forma depreciativa. É pena.



publicado por marius70 às 18:15
link do post | comentar | favorito

mais sobre mim

pesquisar

 

Janeiro 2018

Dom
Seg
Ter
Qua
Qui
Sex
Sab

1
2
3
4
5
6

7
8
9
11
12
13

14
15
16
17
18
19
20

21
22
23
24
25
26
27

28
29
30
31


Subscrever por e-mail

A subscrição é anónima e gera, no máximo, um e-mail por dia.

posts recentes

Eu, escriba!

Morreu o "canastrão"

Mudança de hora

Madonna

A "mãe" natureza

arquivos

Janeiro 2018

Dezembro 2017

Novembro 2017

Junho 2017

Maio 2017

Abril 2017

Março 2017

Dezembro 2016

Novembro 2016

Março 2016

Fevereiro 2014

Novembro 2013

Agosto 2013

Outubro 2012

Julho 2011

Maio 2011

Janeiro 2011

Dezembro 2010

Novembro 2010

Maio 2010

Abril 2010

Março 2010

Janeiro 2010

Dezembro 2009

Outubro 2009

Setembro 2009

Julho 2009

Maio 2009

Janeiro 2009

Outubro 2008

Agosto 2008

Junho 2008

Maio 2008

Fevereiro 2008

Dezembro 2007

Agosto 2007

Maio 2007

Março 2007

Fevereiro 2007

Dezembro 2006

Agosto 2006

Julho 2006

Junho 2006

Maio 2006

Abril 2006

Fevereiro 2006

Janeiro 2006

Dezembro 2005

Novembro 2005

Outubro 2005

Setembro 2005

Agosto 2005

Julho 2005

Junho 2005

Maio 2005

Abril 2005

tags

todas as tags

links

SAPO Blogs

subscrever feeds